sexta-feira, 12 de setembro de 2008

GÊNESIS - criações de alunos

Deus estava entediado com o infinito, com sua monotonia, sempre a mesma ausência de cor, som, movimento, nunca variava. E lá estava Ele, parado no espaço vazio sem fronteiras, sem distrações ao alcance dos Seus olhos, e olha que Sua visão alcançava longe. Estava dentro do nada, que se localizava antes do alfa, portanto muito antes do ômega, e é claro, antes do a do alfa. Como o nada era uma enorme escuridão, não fazia diferença ficar com os olhos abertos ou fechados. Deus mantinha os olhos fechados e ninguém nunca soube exatamente a razão. Alguns politeístas diziam que era porque ele tinha medo de, ao abrir encontrar outros deuses; Zeus brincando com seus relâmpagos; Baco girando sua cueca no ar com uma mão enquanto a outra segurava uma garrafa de vinho. Os ateus afirmavam que era porque ao olhar-Se no espelho, Sua imagem não refletiu como acontece normalmente com todos os seres viventes, mesmo com os inanimados, portanto não existe, no entanto o grande poeta falou a eles: respirem, estufem os pulmões e devolvam ao mundo o ar que nos faz viver e envelhecer, que não reflete, que apesar disso, existe, que não é Deus, este, não reflete e, como o outro, existe. Ficaram sem argumentos, depois de um tempo o poeta sumiu misteriosamente e voltaram a nega-Lo. Os agnósticos deram sua opinião em uma breve nota ríspida – se Ele está ou não com os olhos fechados, o problema é dele, só não venha me encher o saco! As especulações foram inúmeras. Depois todos chegaram ao consenso de que isso era uma coisa estúpida demais para se discutir. E acabou o assunto.
Foi então que Deus levantou-Se, estralou as costas, alongou os braços e com as mãos acima da cabeça como um pianista prestes a atacar o piano, pronunciou Sua vontade, e como chicotes bailando no ar, suas mãos lançaram-se para frente. Alguma coisa aconteceu no principio. Estavam criados, céus e terra. Em seguida veio a grande pergunte na solidão divina: o que fazer com isso agora?
A terra parecia um quadro surrealista, como os de Dali, as coisas estavam sem nexo, havia trevas sobre o abismo pra cá, o Espírito de Deus pairando sobre as águas pra lá. Deus tinha resolver aquela mixórdia. Foi então que, sentado em uma pedra que tinha o formato de uma tartaruga que tinha o casco com formato de uma pedra, que Deus disse: Eureka! E saiu pelado correndo e gritando pelo universo. A essa compreensão súbita do que fazer e como fazer, Ele chamou de luz, e, como não havia ninguém por perto, registrou a luz em Seu nome. Em seguida decidiu que ela era boa. Disse Deus: haja luz! E não é que houve mesmo. Depois chamou a luz, dia, e as trevas, noite. Não conseguiu pensar em nomes melhores, então manteve esses mesmos. Ao ver as águas boiando no ar, e depois de inúmeras vezes a areia entrar nos olhos e ser atropelado por enormes rochas, inclusive as que se pareciam com tartarugas, resolveu que criar a gravidade seria uma boa. E foi bom. Feito isso, delimitou o lugar de todas as coisas, isso é, as águas e a terra. Os céus e terra ficaram mais realistas no segundo dia.
No terceiro dia separou de vês as águas da terra, e fez o que mais gostava, dar nomes. A porção seca chamou de terra, e a outra de mares. A terra produziu relva, ervas que davam semente segundo a sua espécie, e arvores que davam fruto segundo ... enrolou a erva, fumou, e viu que era do bom. Com uma maçã suculenta que acabara de morder e um sorriso bobo no rosto, apreciava o crepúsculo enquanto mastigava com a boca aberta. Houve manhã e tarde no terceiro dia.
Deus percebeu uma tremenda gafe em sua criação, criou o dia e a noite antes do sol e da lua. Dizem que esse é motivo do riso das hienas, mas isso, assim como o tempo, é apenas lenda. Apesar da gafe, o primeiro impulso que O motivou a criar os tais luzeiros era para saber a hora do almoço e do jantar, e assim, melhorar sua alimentação, e ao mesmo tempo separou a luz das trevas. Deu sentido ao dia e a noite e ainda entrou em forma. Isso só poderia ser bom.
O quinto dia prometia. Nele seriam criadas uma das principais atrações desse circo, que chamamos de mundo. Criou, pois, seres viventes nas águas, que, conseqüentemente se molharam. Criou as aves, e que voem sobre a terra, sob o firmamento dos céus. Apesar das asas, o mundo, como tal, era, e é, uma grande gaiola, e não havia como sair, o fato de chegar a lua, a marte, a put ... a toda parte, apenas ressaltava os limites da prisão e o pesadelo da vida. Ao invés de expandirmos a alma, a retraímos e a atrofiamos em beneficio da competição, do desejo de ser melhor que o outro. Trocamos a beleza da alma pela mesquinharia de um jogo fútil. Mas deixemos essa reflexão de lado, como sempre deixamos. Onde estávamos mesmo ? ah sim, os seres ... bem, os seres vivos estavam na terra, prontos para comer, correr, se reproduzir e serem assados nos churrascos de fim de semana, mas para isso é preciso que o fim de semana exista. Vamos lá Deus! Ele pensou sobre o mundo que criou, a vida que deu aos seres, sobre o fim de semana e viu que tudo era muito bom.
Daí o veio o sexto dia, Ele já estava com dor nas costas, e sua ambição de criar estava sendo consumida pela sua preguiça. Estava cansado. Criar o mundo, as estrelas, o universo e todas as coisas, cansa. E com os olhos quase fechando fez o homem. Este ficou no bolso de Dele para terminar mais tarde, só que, descuidado, deixou cair. Foi parar na terra, fato que alterou seu pensamento. A sensação de superioridade afastou-o do sentido da vida à medida que evoluía. Mais a liberdade dada por Deus, o homem vivia no topo da hierarquia, isso, segundo ele, é claro. O homem é a imagem de Deus, mas para que serve o apêndice e as sobrancelhas em um deus ? ou em um homem ? Depois de acordar da cochilada pós-almoço, Ele foi terminar de fazer o homem, colocou a mão no bolso, ficou surpreso, não estava. Foi achar na terra, feio, arrogante e deformado em prol da queda. Oh céus! Pensou. Desanimado demais para fazer qualquer coisa, sentou, pegou a bacia de pipoca, relaxou, e está até hoje assistindo, vendo aonde esse mundo vai parar. Enquanto espantava uma mosca que rodeava seu ouvido divino, pensou: da próxima vez faço direito, sem acidentes, em cinco dias apenas ! Colocou sal na pipoca, jogou para cima e ela caiu certeira na boca, e viu que agora estava boa. Tudo estava bom. Bem. Quase.

Eduardo Ferreira

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