segunda-feira, 25 de maio de 2009

UM CONTO PARA LARISSA

O cavalo Tordilho corria no campo, alegre e feliz, pois era domingo. Ele não estava com os arreios atrelados. Isso significa dia todo sem puxar carroça ou sem carregar ninguém nas costas. O sol recém-nascido brilhava como ouro no céu, até parecia a colcha de seda azul que a senhora havia lavado e estendido no varal um dia antes. Como brilhava o azul da colcha exposta ao sol.
Tordilho vendo o azul da colcha espalhado no céu ficou feliz. Galopava, troteava, marchava, num vai pra lá, vem pra cá, sem parar! De repente para assustado. Para e pensa com as pequenas peças de arreios que estão na cabeça:
“Tem alguma coisa no céu. É uma estrela! Será uma estrela? De dia? Que estrela mais louca! Olhem quantas pontas tem aquela estrela.” Ficou de queixo caído com a visão de estrela de dia. Mas continuou a passear pela coxilha. De vez em quando espiava o céu para ver se a estrela continuava lá, dependurada, bem baixo, no céu azul de colcha de seda.
Os pássaros cantam alegres! Voam de galho em galho, nos pinheiros, nos butiás, nas macieiras. Muitos, muitos pássaros! O cavalo acha que alguma coisa está errado com os pássaros: sacode as orelhas, uma pra frente outra pra trás. Para, fica a observar.
Tenta chegar a uma conclusão:“Passarinho com asas de nuvem? Onde já se viu? Só porque sou um cavalo de trabalho? Só porque é domingo estou vendo coisas?” Tordilho parou de galopar, ficou em silêncio debaixo do pé de prata. Só olhando., olhando para o céu.
Um avião que vem vindo lá das bandas de Buenos Aires chama a atenção do cavalo e dos passarinhos, com os olhos fixos na estrela que parece estar pulando de raiva. Tordilho e os passarinhos de asas de nuvem ficam espantados com o que está acontecendo no céu:
A estrela está braba porque o avião passou no caminho dos fios das raias com as quais ela estava brincando. Raias lindas! Coloridas, com rabiolas cheias de lacinhos. E as rabiolas estão caindo lá do céu.O avião continua voando, voando, indo lá pros lados de Curitiba. As raias presas nas asas do avião vão embora com ele. A estrela de tão triste ficou com as pontas tortas, fora de lugar, e está desaparecendo devagarinho, devagarinho. Está indo embora tão devagar que Tordilho quase dorme olhando pra ela. A estrela acaba sumindo e o céu fica só que um azul de seda novamente.
O cavalo agora descansado e tranqüilo vai à procura de moitas frescas bem verdinhas para fazer um lanchinho gostoso, natural e digno de um cavalo de trabalho, em plena folga de domingo.
Escolheu uma touceira de capim fininho e foi chegando à moita, já sentindo o sabor do capinzinho fresco e macio. Quando um dos passarinhos de asas que parecem nuvens sai desesperado da moita Tordilho derruba o queixo novamente.
Na moita escolhida havia um ninho dos passarinhos estranhos. Não era um ovo nem um passarinho que dormia na moita. Era um anjinho, com rodela na cabeça e tudo! Os pássaros, que eram três, se colocaram entre o anjinho e o cavalo para protegê-lo contra Tordilho.
O cavalo que não fazia mal a ninguém muito menos a um anjinho ficou triste. Baixou as orelhas em sinal de servidão como é acostumado a fazer com seu dono quando ele vem com os arreios para atrelá-lo à carroça, ou para levar seu dono em seus caminhos de fazendeiro. Sempre dócil resignado e paciente.
Enquanto isso o anjinho foi se espreguiçando, espreguiçando. Se esticou todinho, se pôs em pé, olhou para Tordilho, procurou por alguma coisa que estava no chão. Se abaixou e pegou um arco com uma flecha dourada que mostrou para o cavalo. Tordilho relinchou assustado:”É uma flecha!” Pensou: ”Que faz um anjinho com uma flecha?”
Mas Tordilho é um cavalo esperto. Lembrou de um calendário pendurado no paredão do paiol, com a figura de um anjinho sapeca que se chama Cupido. E todo mundo sabe que esse tal de Cupido é responsável por acertar os corações com as flechas do amor e das paixões.
Agora é que Tordilho ficou mais perplexo! “Que é que o Cupido estaria fazendo ali domingo à tarde? Sem viva alma humana naquele pasto?” Cupido, muito inteligente, compreendeu a aflição do cavalo. Tentou explicar tudo:
- Cavalo Tordilho, é esse seu nome, não é ? Como vês todos estamos aqui neste lugar de completa paz. Por enquanto, diga-se de passagem, pois logo os homens vão transformá-lo em pastagens. Todos somos iguais às crianças da terra. E como não havia ninguém aqui, nem humano nem celeste para brigar com a gente, resolvemos parar para brincar um pouco. Brinquei tanto com aquela estrelinha danadinha e meus amigos passarinhos de Júpiter que resolvi dormir um pouquinho. Aí você apareceu. Quer brincar conosco?
Ao que Tordilho respondeu:
- Epa! Sou muito grande! Vou acabar machucando vocês! Me deixem ficar aqui perto vendo vocês brincarem?
- Tá bom. Se quiser, pode ficar aqui , concordou o Cupido.
Tordilho saboreou a moitinha escolhida e se espalhou sobre a grama fresca debaixo do pé de prata. Passarinhos pra cá, anjinho pra lá. Algazarra no pé de prata, no pasto, na sanga. Afinal, eram crianças brincando! O tempo passou, O cavalo acabou dormindo. E o anjinho e os passarinhos foram embora.
Ao anoitecer, um peão da fazenda foi buscar Tordilho para colocá-lo na baia e deixar tudo pronto para a segunda-feira cedo.
Tordilho ficou triste quando percebeu que tudo tinha sido um sonho de cavalo velho e cansado da lida. Resignado, de cabeça baixa, foi obedecendo ao peão que puxava a correia do cabresto com força.
Passou pelo varal e lembrou da cor da colcha de seda azul de céu. Olhou outra vez e viu no varal um daqueles passarinhos deixando uma pena de nuvem presa num prendedor de roupas, fazendo sinal para que Tordilho não esquecesse deles. O cavalo fez sinal de resposta pedindo ao passarinho que prendesse a pena na sua cabeça, nas tiras dos arreios.
Quando entrou no paiol a caminho da baia passou pela parede onde está dependurado o calendário e ficou feliz. A semelhança da figura com o cupido da coxilha era tanta que não teve dúvidas que estiveram juntos na tarde de domingo.

Stela Siebeneichler

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